A
avaliação sobre os processos e relações que ocorrem no interior de uma
organização pode ser feita sob o ponto de vista da transferência, sendo que
este se encontra intensamente presente no campo psicanalítico. Freud, por exemplo,
percebeu que a transferência exerce importantes influências no método clinico e
este fato pode se estender para as relações cotidianas.
Abordar
as relações organizacionais na perspectiva da transferência constitui um fator
de grande importância no que se refere ao funcionamento geral do espaço de trabalho.
A partir disso, melhores compreensões acerca do uso do poder e tomada de decisões
podem ser alcançadas com mais facilidade, sendo que torna-se possível também a
promoção de mudanças.
Para
entender de que modo a transferência influencia os relacionamentos e a condução
de atividades no ambiente de trabalho, é necessário entender o termo sugerido. O
conceito de transferência refere-se à projeção que um indivíduo faz em relação
à determinada pessoa se baseando na história afetiva que foi construída no seu
passado ou mais especificamente nas relações que foram estabelecidas com seus
familiares e outras pessoas com as quais manteve contatos duradouros durante a infância.
Considerando
a definição de transferência, o ato de observar as interações entre os
integrantes de uma organização é uma oportunidade de constatar a existência do fenômeno
que está sendo evidenciado nessa discussão.
Freud
propôs dois tipos de transferência, a saber, positiva e negativa. Com relação às
organizações sugere-se a existência de três grandes estruturas de transferência:
transferência idealizada, transferência narcisista e transferência persecutória.
A
transferência idealizada é relacionada a uma fase precoce do desenvolvimento psíquico.
A pessoa apóia-se na imagem do outro como uma fonte inesgotável de satisfação e
felicidade. Logo, todos os pontos positivos possíveis podem ser identificados
na pessoa idealizada.
Contudo,
esse tipo de transferência compromete a dinâmica da empresa, pois a pessoa (ou
grupo) que idealiza torna-se totalmente dependente da pessoa que é idealizada, perdendo
sua autonomia para a realização de atividades. A perda de capacidade de
julgamento da pessoa que idealiza - geralmente os subordinados ocupam essa
posição – aplica-se à variadas situações inclusive à própria figura idealizada.
Um aspecto importante desse tipo de transferência é que o estímulo e a adesão
às mudanças ocorrem mais facilmente. Mas, se não é a pessoa idealizada que propõe
essas mudanças, a resistência se sobrepõe.
Conforme
já foi mencionado, as relações nos espaços organizacionais também são marcadas
pela transferência narcisista. Neste caso, o sujeito constrói seus relacionamentos,
apoiado numa admiração que mantém por si mesmo. Essa afirmação orienta o
pensamento de que de que a transferência narcisista possui a tendência de estar
ligada a diálogos e aproximações muito frágeis. Isso se deve ao fato de que o
indivíduo que desenvolve a transferência narcisista não está interessado por
aquilo que acontece ao seu redor.
Em
alguns casos a transferência narcisista pode ser o complemento da transferência
idealizada, ou seja, o indivíduo tem a necessidade constante de ser aplaudido e
suas ações são compatíveis com o seu desejo de receber atenção. Quando existe
uma aproximação em relação à pessoa que tem a transferência narcisista, os
contatos estabelecidos, geralmente, têm como finalidade a busca por recompensas
e benefícios. De certa maneira o indivíduo tem sua admiração reforçada. Nos
momentos em que as pessoas não o reconhecem seu humor se altera. Sem dúvidas,
estes fatores podem prejudicar o clima organizacional.
Por
fim, as organizações têm como um dos destaques a transferência persecutória. Esse
tipo de transferência está vinculada aos mecanismos de defesa que são usados
pelos trabalhadores.A transferência propriamente dita consiste na divisão do
mundo em duas partes:uma onde tudo é bom,existindo também o lado mal.
O
sentimento de perseguição torna-se o ponto de partida para o desencadeamento da
hostilidade em relação ao outro que supostamente realiza a perseguição. Interligada
a esta manifestação da transferência persecutória, um fator que pode se tornar
bastante nítido é o masoquismo moral, sendo que o individuo vê uma chance de
reparar os seus erros, enquanto pessoa que hostiliza os companheiros. Essa transferência
ainda pode tomar a forma de inveja. Então, os processos decisórios mais uma vez
se tornam difíceis.
Diante
dessas informações, é possível falar que muitas situações vivenciadas nas organizações,
na verdade, são reflexos das histórias pessoais de cada membro, seja ele um
dirigente ou dirigido. As transferências idealizada, narcisista e persecutória
são atribuídas, respectivamente, ao reencontro de uma felicidade em união com o
outro, à busca pelos cuidados e atenção que não foram recebidos na infância, e
à rivalidade vivenciada, comumente, com os irmãos. Com isso, é preciso estar
consciente sobre a possibilidade do ressurgimento das transferências, visando
um bom gerenciamento dessa questão.
Referência:
VRIES,
Manfred F. R. Kets de; MILLER, Danny. Relações de transferência na empresa: confusões
e atritos no processo decisório. In: CHANLAT, Jean-François. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas.
São Paulo: Atlas, 1993.