A
abordagem da relação existente entre trabalho e saúde mental demanda alguns
esclarecimentos. O primeiro ponto a ser destacado é que a saúde mental no
trabalho refere-se aos comportamentos que permitem que o trabalhador, apesar
das pressões, continue exercendo suas funções. Com isso percebe-se que é
necessária uma revisão dos modelos que se propõem a investigar a relação
citada.
Ao
falar em saúde mental e trabalho, comumente, surgem idéias ligadas ao fator causal
do ambiente de trabalho e ainda considera-se que o fenômeno da doença está
ligado a cada trabalhador individualmente. Contudo, Dejours (1994) sugere a
idéia de que o nível patológico deve ser visto como uma predisposição do
sujeito e que o desencadeamento de uma doença ou não se apóia nas relações
coletivas de trabalho. Mais especificamente, esse autor diz que a saúde mental
no trabalho deve ser entendida como os processos que possibilitam a manutenção
do trabalhador na realização de suas funções.
Assim,
é possível falar que a abordagem saúde mental-trabalho será mais facilitada e
se tornará mais aperfeiçoada a partir da ruptura com modelos médicos e
psiquiátricos clássicos. Também se aconselha adotar a prática da não redução do
trabalho às condições físicas, químicas e biológicas, e considerar a dimensão
organizacional. De forma sintética, essas ações conduzem à necessidade de
visualizar a relação social no trabalho.
Como
resultado dessas demandas surge a psicopatologia do trabalho. Esse campo de
investigação apresenta um método clínico e teórico considerando a articulação
das atuações do sujeito e aquilo que é produzido pelo ambiente coletivo do trabalho.
Aqui, é preciso ter cuidado também com o determinismo reducionista
socioeconômico.
Para
avaliar o relacionamento entre saúde mental e trabalho, Dejours (1994) toma
como ponto de partida a realização da pesquisa sobre o individualismo
triunfante que pode ser encontrado em algumas organizações.
O
autor citado apresenta, então, uma pesquisa que tem como objetivos demonstrar a
existência do individualismo como resultado do sofrimento psíquico e, além disso,
mostrar que a psicopatologia do trabalho pode promover um remanejamento desse quadro,
possibilitando o estudo e a prática do trabalho e saúde mental.
A
pesquisa se desenvolveu no contexto de um serviço de manutenção de uma
indústria de processo (indústria nuclear). Nesse local eram observados riscos
para o pessoal, as instalações e meio ambiente. Mas, os fatores que mais vinham
causando preocupação eram o desengajamento dos operadores, degradação do clima psicológico,
comportamentos individuais enigmáticos e preocupantes.
Devido
ao fato de haver um distanciamento entre trabalho prescrito e trabalho real, os
operários começaram a desenvolver a prática do quebra-galhos.Ao conceber essa
prática,muitos desentendimentos e conflitos se originaram.
Durante
a pesquisa foram identificados processos defensivos tanto por parte dos
operários quanto por parte dos executivos. Dentre os executivos, esses
processos se manifestavam por meio das táticas do segredo e do silêncio
generalizado. Os executivos intermediários, por sua vez, se baseavam na
Psicologia Espontânea dos Executivos, que atribui como causa daquilo que não
foi compreendido a imaturidade e falta de seriedade ou responsabilidade dos
trabalhadores.
Vale
assinalar que as ideologias defensivas estão presentes em vários espaços
organizacionais. Elas constituem uma expressão do individualismo triunfante.
Seguindo o pensamento de Dejours, pode-se afirmar que esses mecanismos de
defesa estão entre o sofrimento que impulsiona à ação e o sofrimento
patogênico.
Aproximando-se
de uma conclusão, define-se que a atuação da psicopatologia do trabalho apenas
tem início com a demanda dos trabalhadores. Nesse sentido, o individualismo
pode ser o caminho para a reabertura do debate acerca da organização do trabalho.
Isso ocorre a partir do momento em que o individualismo começa a comprometer o
funcionamento da organização.
Referência:
DEJOURS,
Christophe. Trabalho e saúde mental (cap.3). In____Psicodinâmica do trabalho,p.45-65.São Paulo:Atlas,1994.
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