As discussões acerca do
trabalho abrangem a identificação, mas não o conhecimento profundo das
dimensões que caracterizam essa atividade humana. No exercício das funções o
trabalho real, frequentemente não corresponde ao trabalho prescrito e, a partir
daí, é possível perceber e avaliar a existência e utilização da inteligência
prática que, por sua vez, é uma das dimensões do trabalho.
Em geral, as formas
utilizadas pelos trabalhadores para a condução das suas atividades nos espaços
de trabalho são mal compreendidas. Nesse sentido, o fato dos trabalhadores não
seguirem as indicações do trabalho prescrito são explicadas através de
atribuições negativas em relação a esses indivíduos. Contudo, algumas pesquisas
demonstram e, consequentemente, permitem afirmar que o trabalho real possui
características essenciais para a manutenção das condições de trabalho. Assim,
surge a necessidade de abordar a inteligência, sabedoria prática no trabalho.
As atividades de
desempenho nos ambientes de trabalho em relacionamento com a inteligência
prática, primeiramente, são visualizadas com base no aspecto corporal. Por meio
das sensações e percepções, o corpo atua como mediador das diferentes situações
vivenciadas no trabalho. Devido a esse fato, em alguns casos, a dimensão
corpórea da inteligência prática se apresenta como um fator fundamental para a
solução de determinados problemas e, em outras circunstâncias funciona como
ponto de partida para a utilização do trabalho prescrito.
A avaliação sobre a
inteligência prática também sugere considerar a presença e necessidade da
astucia nos procedimentos que visam alcançar os objetivos propostos pela
organização do trabalho. Com o auxílio do corpo e da astucia, a inteligência prática,
ainda pode ser reconhecida como aquela que é capaz de estar presente em
trabalhos teóricos e manuais, contribuindo com as demonstrações de criatividade
observadas, por exemplo, nas empresas. Finalmente, destaca-se que a
inteligência astuciosa encontra-se em ampla difusão entre as pessoas.
Dejours (2004) assinala
que as manifestações da inteligência prática se originam dos contextos
sincrônico de diacrônico, nos quais o sujeito está situado. O contexto
sincrônico se refere à organização e relações sociais no trabalho presente, enquanto
o contexto diacrônico trata da historia singular do trabalhador em interação
com o trabalho presente.
Ao considerar a origem
da inteligência prática em relação à história singular do sujeito, a
psicanálise propõe que é a passagem pela epistemofilia e jogos infantis que
fornecem as bases para o desencadeamento da inteligência que está sendo
discutida aqui. De acordo com essa afirmação, há uma ligação entre inteligência
prática e o sofrimento que surgiu na infância a partir da angústia dos próprios
pais do sujeito que, no presente, participa do que é denominado como teatro do
trabalho.
Diante das questões
suscitadas acima, pode-se dizer que a inteligência prática torna-se necessária em
razão da impossibilidade dos trabalhadores seguirem as regras do trabalho
prescrito e também porque o espaço do trabalho constitui-se como uma
oportunidade de cada sujeito visualizar um sentido na atividade que realiza. No
entanto, a inteligência astuciosa pode não se manifestar pelo fato da pessoa que
trabalha considerar os objetivos fixados pela organização insatisfatórios e
ainda perceber que não existem contribuições para a sua situação subjetiva.
Frequentemente, a
administração envolvida nos processos organizacionais se recusa a reconhecer o
relativo distanciamento entre aquilo que é prescrito e real na realização das atividades,
justificando ser esta uma forma de buscar proteção e segurança para toda a
estrutura da organização.
Dessa forma, é possível
falar que a negação da inteligência prática, em muitos ambientes, pode estar
deixando várias questões e atributos relevantes implícitos. Conforme já foi apontado,
esse tipo de inteligência é uma dimensão do trabalho e, neste caso, é preciso
dedicar atenção a ela.
Referencia
DEJOURS, Christophe. Inteligência
prática e sabedoria prática. In:
LANCMAN, Selma; SZNELMAN, Laerte I. (org.). Christophe
Dejours: Da
psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2004.
Tamira Mercês
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